02/06/2009

Ainda a Eurosondagem

O meu regresso à Eurosondagem, depois do post de Sábado, deve-se à notícia do Público de sexta-feira antecipando os resultados da sondagem encomendada pela RR, pela SIC e pelo Expresso. Mas deve-se, essencialmente, aos ecos que a mesma notícia teve na blogosfera, nomeadamente o meu diálogo com Helder Robalo nos comentários deste post.

O aspecto saliente da notícia, bem como do tratamento que o Expresso daria à publicação da sondagem, é a "evolução" ou a "tendência" entre duas sondagens realizadas pela mesma empresa, com uma semana de intervalo. Com base na informação divulgada no sítio da RR, o Público fez o título "PS e PCP sobem nas intenções de voto para as europeias". Helder Robalo defende (de um ponto de vista jornalístico, presumo) que o título é legítimo, já que «O PS estava em ligeira queda, se bem me recordo, e a CDU era a quarta força política». Ora, era precisamente pela falta de fundamento para se falar em "ligeira queda", subidas e ultrapassagens que eu tinha comentado o post do Helder :)

Vejamos então os resultados das sondagens em causa (Fonte: Margens de erro). Assumindo que as duas amostras são independentes, podemos fazer um teste de qui-quadrado para ver em que medida os "votos" se distribuem de igual modo nas duas sondagens diferentes. Este tipo de teste diz-nos que, globalmente, a probabilidade de a distribuição de "votos" pelos partidos ser "igual" em ambos os momentos de sondagem é 0,7. Ou seja, na prática, não há diferença entre as duas sondagens.

O quadro abaixo apresenta duas linhas para cada partido. A 1.ª mostra o n.º de "votos" na sondagem. A 2.ª o chamado "resíduo ajustado". O "resíduo" é o número de casos que uma célula tem a mais (ou a menos) relativamente ao que seria esperado se a distribuição (%) dos votos fosse absolutamente igual nas duas sondagens. O "resíduo ajustado" é esse mesmo número dividido por uma estimativa do respectivo erro-padrão. Só nos casos em que esse "resíduo ajustado" fosse >2 (ou <-2) é que estaríamos em presença de uma subida (descida) significativa.


Se a preocupação fosse avaliar a variação de cada partido isoladamente, poder-se-ia testar a diferença de proporções entre duas amostras independentes. Pedro Magalhães já o fez (aqui) e não encontrou nenhuma diferença entre as duas sondagens em causa. (Eu também o tinha feito antes de assegurar no post anterior que nenhuma das variações reportadas no Expresso era significativa).
A aproximação que aqui faço com a publicação dos "resíduos ajustados" é uma maneira simples de ordenar as variações para os jornalistas e comentadores que querem a toda a força que haja subidas e descidas: BE-, PS+, PP-, CDU+, PSD+. Pronto, já está! :) Agora a sério: ninguém com os mínimos conhecimentos de estatística pode deixar de admitir que os resultados destas duas sondagens são iguais (não são significativamente diferentes).

Este caso mostra como as notícias sobre sondagens podem ser desinformação. O jornalista interpreta erradamente os resultados. Faz um título não suportado na realidade, o qual é rapidamente reproduzido por dezenas de posts e tweets e, em seguida, por outros meios de comunicação social - sendo até comentado pelos visados na 'falsa' notícia, i.e. os candidatos eleitorais (é um pouco como isto). Ora, quando temos uma ERC que até já estuda os trejeitos dos pivots; sendo obrigatório o depósito da sondagem na mesma ERC; não se compreende como (pelo menos do meu conhecimento), esta não se tenha ainda pronunciado sobre a maneira como os jornalistas interpretam as sondagens.

A este respeito, eu tinha comentado (31-5) no blog do Helder: «talvez fosse boa ideia, quando se "noticia" resultados de sondagens à milésima, perguntar à empresa responsável pela sondagem se a leitura que o jornalista propõe para os resultados é correcta». No dia seguinte (aqui) Pedro Magalhães, player de sondagens, escreveu: «O que acho que os jornalistas deveriam fazer é serem mais exigentes com as empresas que lhes fazem os estudos e pedir-lhes que lhes expliquem estas questões. E sempre que queiram escrever que o partido A está à frente do partido B, ou que o partido A subiu da sondagem anterior para a actual, perguntem a quem faz as sondagens se é mesmo assim. Por que não pedir uma opinião prévia sobre as peças, só para ter a certeza que não se estão a dizer coisas erradas? Não é a morte do artista.» Fácil, não é?

P.S. Não se pense que o único erro é comentar os resultados com diferença à milésima, como a notícia do Público. É também frequente o erro de considerar a margem de erro publicada na ficha técnica ("O erro máximo da Amostra é de 1,95%, para um grau de probabilidade de 95,0%" diz a ficha da última Eurosondagem) para "verificar" se a diferença entre partidos ou se a diferença entre duas sondagens do mesmo partido se situa dentro dessa margem. É o que faz Humberto Costa no Expresso: «Ainda assim esta diferença cai na margem de erro da própria sondagem (1,95%)...».
O "erro máximo" das fichas técnicas só é válido para a proporção de um partido numa sondagem. Máximo corresponderia ao caso em que a proporção fosse 0,5, o erro de amostragem real (medido numa aproximação à distribuição normal) vai diminuindo à medida que a proporção do partido se afasta de 0,5.

Sem comentários:

Enviar um comentário