12/08/2010

Minha querida sondagem

O INE estima que, em 2009, 2,6 milhões (29%) de portugueses maiores de 15 anos (9 milhões) dormiram pelo menos uma noite fora da residência habitual, por motivo de lazer, recreio ou férias. Dos 2,6 milhões de turistas, 230 mil (9%) viajaram para o estrangeiro. Ou seja, o maior e mais fiável estudo sobre as viagens dos portugueses, feito segundo as normas europeias sobre a matéria, estima que 2,5% dos portugueses maiores de 15 anos fizeram uma viagem de lazer ao estrangeiro que tenha implicado, pelo menos, uma dormida fora da residência habitual.

Estes números são fresquinhos e vêm a propósito de um artigo de Ana Sofia Fonseca no Diário Ecómico de ontem, intitulado "Meu querido mês de Agosto", o qual recupera o malfadado "estudo elaborado pela Marktest para o portal de reservas Hotels.com", para assegurar que «34% dos inquiridos mantém a ideia de ir para fora». No parágrafo anterior, a jornalista menciona o estudo da GFK para o WSJ, segundo o qual 2 em cada 3 portugueses não sairiam de casa, resultado que deixa o director de marketing da Soltrópico «de sobrolho franzido».

Na realidade, a sondagem da GFK não perguntava se as pessoas iam viajar, mas quanto iriam gastar em viagens de lazer. Os 66% correspondem à percentagem de portugueses que escolheram a opção de resposta: «Nenhum, vou ficar em casa, não viajo». Apesar da pergunta não ser a mais indicada, os resultados assemelham-se aos do inquérito do INE às viagens dos residentes em Portugal e a outros estudos que têm sido feitos sobre o assunto - apenas 1/3 dos portugueses faz viagens de lazer. Não há dados seguros sobre quantos fazem viagens "de férias" (mínimo de quatro noites), mas não serão mais de 1/5. Férias no estrangeiro são privilégio de cerca de 3% dos portugueses. O facto de eu, a Ana Sofia Fonseca, os seus entrevistados e os clientes da Soltrópico fazermos parte desse grupo restrito, não nos deve afastar da noção da realidade vivida pela população portuguesa.

Então, porque é que a sondagem da GFK dá resultados próximos dos obtidos pelo INE e pelos estudos científicos na área, enquanto o "estudo elaborado pela Marktest para o portal de reservas Hotels.com" dá resultados de uma realidade virtual? A resposta é bastante simples: o estudo da Marktest é feito numa realidade virtual! Enquanto a amostra da GFK é retirada da população portuguesa, a amostra da Marktest é um painel de voluntários que preenchem um questionário online, a troco de um voucher. Não é difícil perceber que esse painel não é representativo da população portuguesa.

Leitura complementar: Atitude patriótica.

3 comentários:

  1. Paineleiro16/8/10 21:05

    A mim ficaram-me a dever 1 voucher!!!

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  2. Ah, afinal as sondagens da Marktest não têm validade!

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  3. Calma!
    A Marktest usa habitualmente amostragem por quotas. No caso concreto, "quotas de de sexo, idade e região", diz a ficha técnica. O problema não está nas quotas. Segundo os dados do INE, estas quotas (acrescentando, eventualmente, o nível de instrução) seriam bastante adequadas para um estudo sobre as viagens turísticas. O problema reside no facto da população que serve de base à sondagem não ser a população de Portugal, mas apenas uma pequena parte desta, um painel de voluntários. Como já referi, não se pode usar resultados deste painel para estimar uma proporção na população portuguesa. Nas palavras de quem sabe, «the principal source of error in estimates from these types of sample sources is a combination of the lack of Internet access (...) and the self-selection bias inherent in the panel recruitment processes».

    Caricaturando - se formos ao Estádio da Luz em dia de jogo e seleccionarmos uma amostra por quotas de sexo, idade e região para avaliar a atitude dos "portugueses" face a Pinto da Costa, a estimativa é válida?

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